Hoje é Dia de Maria – Primeira Jornada
Hoje é Dia de Maria nasceu da alegria que tive, ao me deparar pela primeira vez, já adulto, com os contos populares recolhidos da oralidade popular brasileira por Silvio Romero e Câmara Cascudo, entre outros. Logo depois vieram as pinturas de Cândido Portinari e as cirandas recriadas por Villa-Lobos, depois peguei na mão do Carlos Alberto Soffredini e do Luís Alberto de Abreu.
Mas estes mestres iniciais, necessariamente, arrastam outros mais distantes. Portinari era apaixonado por Velásquez, Villa por Bach. Todos sabemos do enorme caldeirão cultural ainda em ebulição por estas bandas. Além do mais, acredito em um patrimônio genético do Brasil, suas histórias, suas raças, suas línguas, seus sons, tudo ainda vivem tudo me dá a sensação de que, como arquétipos, estão à espera de reencarnar para continuarem suas missões éticas e estéticas.
O projeto é apenas uma pequena tentativa de nos reaproximar de um grande tema: a infância. Uma infância brasileira, lírica, mas por ora também trágica. Uma tentativa de penetrar nessa região tão sacrificada por nós mesmos. E então, com este pequeno programa, eu lhes pergunto: e a nossa infância? Onde está? Onde foi morar?
Hoje é Dia de Maria traz uma afirmação do inconsciente brasileiro, do subterrâneo brasileiro, com a liberdade de não ser regionalista. Uma tentativa com muita delicadeza porque o fio que está conduzindo isso é o fio da infância, o fio da memória. Mas se tivesse que resumir tudo em uma única palavra, seria ancestralidade. A ancestralidade é algo que nos permite imaginar mais que copiar. Sentir mais que descrever e explicar. A ancestralidade é uma metáfora acessível a todos nós e que deve, assim como hoje se faz com os bíceps, ser exercitada. A ancestralidade transpassa fronteiras e, inexplicavelmente, como ela só, uniu João Cabral a Sevilha, João Gilberto ao Jazz, Ariano Suassuna a Cervantes. A ancestralidade é o que há de mais moderno e ao mesmo tempo mais arcaico. Está presente nas pesquisas mais avançadas da Ciência, no Genoma humano, nas células-tronco. Tudo se reflete na ancestralidade, seja ela biológica ou espiritual.
Como em uma colheita, estamos todos trabalhando para devolver ao Brasil o fruto que o próprio povo semeou em meio a sua formação. Os contos populares são essa semente. Aos olhos do mundo globalizado de hoje, sinto que é um trabalho de responsabilidade imensa. Usando um clichê diria, até, de resistência já que não há país que resista abrindo mão de sua memória.