Maduro pelos dias, vi-me em ilha,
Portanto.
Como conhecer as coisas senão sendo-as?
Como conhecer o mar senão morando-o?
Às coisas Deus um dia nos recuou.
Contemplo as nuvens. Elas me rociam.
Refletem-se em meu sangue: nuvens e aves.
A sombra de meus pés reptam-se serpes.
Quantas selvas escondo! Sou cavalo,
Corro em minhas estepes, corro em mim,
Sinto os meus cascos, ouço o meu relincho,
Despenho-me nas águas, sou manada
De javalis; também sou tigre e mato;
E pássaros, e voo-me e vou perdido,
Pousando em mim, pousando em Deus e o diabo.
Nasço floresta, grasso grandes pestes,
Porquanto,
Jazo em mim mesmo, rejo-me,reflito-me
Sei dos pássaros, sei dos hipopótamos,
Sei de metais, de idades, aconteço-me,
embebo-me na chuva que é do céu,
abraso-me no fogo dos infernos.
Porquanto,
Como conhecer as coisas senão sendo-as?
Abrigo minhas musas, amam sobre.
Aflijo-me por elas, sofro nelas,
Encarno-me em poesia, morro em cruz,
Cravo-me, ressuscito-me. Petrus sum.
Sou Ele mas traindo-o, mas em burro,
com esses cascos na terra, e ventas no ar,
cheirando Flora; minhas quatro patro patas
rimam iguais, forradas, alforriadas,
burro de Ramos, levo o dorso
Alguém em flor, Alguém em dor, Alguém.
(Jorge de Lima, Invenção de Orfeu)
Depois disso, tudo será, como nas fotos de Pagliaro, inexoravelmente, passado, vestígio. Todo o processo de preparação terá sido uma grande tomada de forças, delicadezas e coragem para, no instante preciso da cena, viver em potência máxima e, ali mesmo, eternizar