Talvez por isso, muito se diz que as histórias de Alexandre são quixotescas. Entendo aonde querem chegar, mas, apesar de entrever aí um imenso grau de elogio, não concordo. Dom Quixote estava sempre escolhendo entre o bem e o mal, mas fazia essas escolhas em seu estado de sonho, e só entrava na realidade quando estava tão ocupado tentando lidar com as pessoas que não tinha tempo para distinguir entre o bem e o mal. Ao seu modo, comprometido com a realidade que o cerca, Alexandre cria pela imaginação um mundo que o compensa de sua penúria. Ele fustiga a realidade e a enfrenta, investigando-a com seu olho transpassado. Não um olho de inventar maravilhas, mas o olho torto, de ver claro a moral das coisas. Ora, como nós só existimos em vida e na vida, precisamos dedicar nosso tempo a estarmos vivos. Por sua vez, vida é movimento, e o movimento está ligado àquilo que faz com que a humanidade se mova: amor, poder, ambição, prazer etc. O tempo que um homem, nos dias de hoje, terá para dedicar-se às questões de relevância moral, ah!, ele o terá que arrancar à força do movimento do qual faz parte para que aí então possa continuar a viver consigo mesmo no dia seguinte.
Em Alexandre, este anseio moral se expressa através de sua imaginação que é em si a marca de sua audácia: a necessidade de sonhar e de compartilhar este sonho. Portanto, sua utopia vai além, mais justa e lúdica consigo mesmo e também para com seu bloco de sujos, sua audiência de excluídos: um cantador de emboladas, um cigano sertanejo, uma benzedeira, um cego. Excluídos do mundo da produção e do trabalho, parecem adquirir, assim, com o estigma da marginalidade, uma aura sagrada.
As histórias de Alexandre, se não são originais e se pertencem ao folclore do Nordeste, obedecem a um sentido definido. Este homem que fala a ouvintes obscuros mantém, por meio da imaginação, a capacidade de evocar, sob uma forma mítica, a existência de um mundo melhor do qual todos deveriam compartir. Sua substância como personagem não é a de um vulgar contador de vantagens. Alexandre representa a memória de um Imaginário. E, assim como nós, caminhando sobre o real dos dias, Alexandre terá sempre que fazer a tal escolha entre o bem e o mal. Sua consciência moral (como a nossa) parece ser a maldição que tem de aceitar dos deuses a fim de obter deles o direito de sonhar. Mas a consciência de Alexandre é o seu bem maior. E então, de sonho em sonho, sua natureza o coloca lúcido diante do todo, com a consciência de que foi criado e que não está vagando cegamente pelo paraíso.